A fada-madrinha dos videojogos deve ter andado imensamente ocupada durante os últimos tempos. Durante os últimos 12 meses aconteceram coisas...
A fada-madrinha dos videojogos deve ter andado imensamente ocupada durante os últimos tempos. Durante os últimos 12 meses aconteceram coisas incríveis nesta indústria. A Capcom ressuscitou Resident Evil 2 num remake fabuloso que revigorou a série. Shenmue 3, um jogo que já ninguém acreditava que alguma vez ia concretizar-se, foi lançado em Novembro de 2019. Depois, em Março deste ano, a Valve lançou finalmente um novo Half-Life. Saltando para Abril, a Square Enix remata com Final Fantasy 7 Remake, um sonho tornado realidade. Chegando agora ao final do mês, este crescendo que se tem vindo a registar nos videojogos continua em alta com Streets of Rage 4.
Para quem teve uma Sega Mega Drive, Street of Rage era um dos jogos obrigatórios. É um jogo que marcou uma geração, com horas passadas em frente à televisão com os comandos sempre a passarem entre as mãos dos amigos. Embora tivesse sido lançado originalmente nas consolas e só depois nas arcadas (para a Sega Mega Play), herdou o espírito dos jogos que nasceram nessas máquinas. Um jogo fácil de perceber, acessível nos controlos e com diversão imediata. Era também muito desafiante, como qualquer jogo daquela altura. Apesar do seu sucesso, a saga ficou-se por Streets of Rage 3, lançado em Março de 1994. Foi preciso esperar mais de 26 anos para haver uma continuação.
Três estúdios, um só jogo
Os astros não se alinharam para Streets of Rage 4, mas foi quase isso! A produção foi dividida entre três estúdios, todos eles especializados em desenvolver jogos com aquela sensação old-school. Esta união é formada pela Dotemu, que ressuscitou Windjammers, Lizardcube, o estúdio de Wonder Boy, e Guard Crush Games, que anteriormente lançou Streets of Fury. Connoisseurs dos elementos mais importantes num jogo retro, os três estúdios injectaram todo o seu talento em Streets of Rage 4 e criaram um jogo que, à semelhança dos originais para a Mega Drive, é imediatamente cativante. Uma cápsula temporal que nos leva de volta para aqueles tempos mas com todas as conveniências da modernidade. Para todos os efeitos, um jogo retro-moderno.
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Mas, afinal, o que caracteriza Streets of Rage 4, e porque é que é um jogo tão cativante? O segredo está na sua simplicidade que esconde profundidade. Tens quatro personagens para escolher (com uma quinta que desbloqueias mais adiante na história). Os controlos são iguais para todas, mas cada uma tem uma série de particularidades nos seus ataques que as tornam únicas. O segredo da jogabilidade está em prolongar os combos, aproveitando ao máximo as brechas dos inimigos. Tal como um jogo de luta, podes encadear os combos ao carregar atempadamente nos botões de ataque, mas não existe forma de bloquear os ataques dos adversários. A esquiva vem da gestão do espaço disponível, aproveitando a área jogável de cada cenário para evitar a linha de ataque dos inimigos. Inicialmente isto é fácil de gerir, mas os níveis mais avançados atiram tantos inimigos na tua direcção que se torna muito mais desafiante.
"O segredo da jogabilidade está em prolongar os combos, aproveitando ao máximo as brechas dos inimigos"
A ofensiva das personagens é complementada pelos ataques especiais que te retiram vida, mas que pode ser recuperada se continuares a atingir os adversários com golpes (são, portanto, jogadas de risco calculado), pelos golpes estrela (que consumem uma estrela, um item que encontras ocasionalmente ao destruir os objectos dos cenários), e os grabs que podem ser convertidos em ataques de wrestling. Podes também, claro, pegar em diversas armas que aparecem no cenário ou que são largadas pelos inimigos, desde facas, tacos, sinais de trânsito, espadas, facas de cozinha, cacetetes da polícia, tasers ou até mesmo uma esfregona de limpar o pó. Qualquer uma destas armas pode ser arremessada contra os inimigos, uma forma eficaz de causar dano ao longe ou de impedir que um inimigo armado se aproxime.
Sensação arcade
Streets of Rage 4 preserva todas as características da jogabilidade presente nos originais da década de 90, mas modernize-a. É uma modernização consciente, que não tenta de forma alguma alterar o espírito do jogo nem inventar demasiado. A jogabilidade é extremamente fluída, escorrega que nem manteiga num tacho de fritar ao lume. Numa questão de minutos, ficamos completamente rendidos perante a sensação que o jogo transmite. É sólido, divertido e melhora tudo aquilo que os anteriores tinham de bom. Um autêntico hurrah para o género dos beat'em ups. É um feito mais difícil do que parece, preservar algo transmitindo simultaneamente impressão de que não é datado. Para esta sensação contribui a jogabilidade, mas também o estilo visual (que em grande parte foi idealizado pela Lizardcube, o estúdio de Wonder Boy).
Os cenários pelos quais somos encaminhados ao longo do modo história têm uma potente atmosfera e são sempre acompanhados por uma banda sonora vibrante que nos fazem entrar no espírito do jogo. Cada cenário têm um tema específico, culminando igualmente com um boss dentro dessa temática. Um exemplo disto é o segundo nível. Vamos presos e rapidamente estamos envolvidos numa rixa em que os guardas e os prisioneiros estão todos à pancada; no final aguarda-nos o comissário da polícia. O espírito da década de 90 nota-se bem no design de cada inimigo e nos estereótipos associados. Os gangues da rua têm abusados penteados de cabelo, óculos escuro e casacos de ganga com mangas cortadas, os especialistas em marciais têm sempre o traje completo e andam descalços, os polícias são tão largos como um armário da roupa, os guarda-costas vestem fato e gravata, e ainda há espaço para meretrizes de chicote que vestem um justo fato de cabedal.
O modo história não é longo, mas há muitos conteúdos
Curto, mas intenso... é assim o modo história de Streets of Rage 4. Para um jogo deste estilo, não havia forma de ser maior sem se tornar maçador ou repetitivo. O modo história conduz-te ao longo de 12 cenários na Wood Oak City e dura sensivelmente cerca de 5 horas na dificuldade intermédia. Fiquei surpreendido pela grande variedade que o jogo apresenta. Em cada nível há sempre novos tipos de inimigos que te obrigam a melhorar e a aprender os seus padrões de ataques, e são introduzidos pequenos perigos ambientais, como cabos eléctricos desprotegidos que te fazem prestar atenção aonde colocas os pés enquanto estás a combater. Mesmo na dificuldade intermédia o jogo é desafiante, pelo menos da primeira vez. Um testemunho da profundidade que existe na jogabilidade é que se voltares ao primeiro nível na mesma dificuldade depois de terminares a história, o jogo vai parecer tão mais fácil!
Mas há muito mais conteúdo! Tens modos de dificuldade mais elevados (existem três dificuldades acima do intermédio), um modo onde combates só contra bosses, um modo de batalha contra outro jogador, e um modo clássico em que tens apenas um crédito para terminar o jogo todo. Para um jogo que custa 24,99€ é bastante conteúdo. Nota-se bem que os estúdios tentaram ao máximo criar um pacote valioso para os jogadores e para os fãs de longa data de Streets of Rage. Podes desbloquear as versões clássicas das personagens (de Streets of Rage, Streets of Rage 2 e Streets of Rage 3), colocar filtros nos visuais se quiseres um algo ainda mais retro, e trocar a banda sonora pelas faixas musicais dos dois primeiros jogos. Não havia mais nenhuma forma de tornar este pacote mais robusto. Tudo o que havia para incluir, está incluído.
"Nota-se bem que os estúdios tentaram ao máximo criar um pacote valioso para os jogadores"
Voltando ao início, numa indústria que tem sido pautada por tornar sonhos realidades, Street of Rage 4 é mais um para juntar à lista. É tudo aquilo que poderíamos pedir numa continuação da saga. Um clássico intemporal que atravessa gerações, que dá primazia ao espírito cooperativo, que transmite uma sensação de euforia enquanto estamos a jogar e que nos faz metralhar nos botões com a maior satisfação. Streets of Rage 4 é um videojogo no seu estado mais puro, que consegue desencadear as mesmas emoções de há tantos anos, quando começamos a jogar pela primeira vez.
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