Days Gone é um jogo grande na história e na beleza do seu mundo, mas bem menor no resto. O conceito tinha potencial para mais. Um dos gênero...
Um dos gêneros que marcou definitivamente esta geração de consolas que está cada vez mais próxima da sua conclusão foram os jogos em mundo aberto. Munidos de um hardware mais poderoso do que na geração anterior e elevados orçamentos de produção, os produtores e estúdios de videojogos conseguiram nos últimos anos criar mundos virtuais inacreditáveis e inundados de detalhes que, se recuarmos umas décadas, não passariam de um sonho. No entanto, com esta enchente de jogos em mundo aberto, também se verificou uma deterioração do gênero, passando a haver muita oferta mas simultaneamente uma redução na originalidade e, por conseguinte, nos títulos considerados essenciais.
É por isso que o Bend Studio da Sony enfrenta um tremendo desafio. Days Gone não é apenas mais um jogo em mundo aberto numa geração tanto marcada por este gênero. É um jogo em mundo aberto que vai buscar temas também já altamente explorados como uma quase-extinção da espécie humana causada por um vírus que transforma pessoas normais em monstros sedentos de carne. Por outro lado, apesar destes temas poderem ser considerados sobre-explorados, há uma interpretação original na forma do protagonista e na importância da narrativa. Em Days Gone a narrativa é absoluta do princípio ao fim. É um jogo em mundo aberto, mas nunca terás o mapa cheio de atividades mundanas para realizar.
A história de Days Gone decorre cerca de dois anos após o surto do vírus que transformou quase toda a população em Freakers. A personagem que controlas nesta aventura é Deacon St. John, um ex-militar que se converteu em motoqueiro fora-da-lei e que conseguiu sobreviver juntamente com o seu companheiro Boozer. Dia após dia, os dois fazem aquilo que conseguem para sobreviver, realizando todo o tipo de trabalhos para acampamentos de sobreviventes e caçando Freakers para coleccionar prémios e trocá-los por créditos nas lojas dos acampamentos. O ambiente é parecido com o The Walking Dead, em que os freakers apenas servem de cenário e o verdadeiro foco da história está na relação entre os diferentes sobreviventes.
Os elementos de sobrevivência de Days Gone
A jogabilidade de Days Gone está desenhada em volta de elementos de sobrevivência. Para te deslocares no mundo, vais precisar da tua mota, mas para isso tens que encher o tanque com combustível, o que podes fazer em bombas de gasolina abandonadas, encontrando bidões de gasolina ou pagando créditos nos acampamentos para te encherem o depósito. Se te despistares e estragares a mota, vais precisar de sucata para a arranjar. Também vais precisar de outros recursos que encontrarás no mundo como curativos, armas de corpo-a-corpo (que eventualmente se partem, a não ser que as arranjes) e de fogo, e coisas simples como garrafas, panos e material inflamável para que possas criar Cocktails Molotov, essenciais para destruir os ninhos de Freakers que encontrarás em várias regiões.
Há ainda uma árvore de habilidades dividida em três secções: uma focada no combate corpo-a-corpo, outra centrada nas armas de fogo e por último uma dedicada à sobrevivência, nomeadamente na quantidade de recursos que podes carregar e na sua redução para fazer crafting. Embora tudo isto aponte para Days Gone como um jogo de sobrevivência, ultimamente não é essa a sensação que transmite. Os recursos são tão abundantes que nunca senti realmente falta de nada. Recolher recursos tornou-se rapidamente numa mera tarefa de precaução do que propriamente uma necessidade para sobreviver. O terrível comportamento da IA, mais precisamente de inimigos humanos, também não abona a favor, retirando a sensação de perigo a qualquer confronto. O stealth é particularmente mau, tanto em Freakers como em humanos, com nenhuma das partes a ter noção do que está a acontecer tão perto deles.
Como funciona o mundo de Days Gone?
O mundo de Days Gone não te coloca barreiras. A qualquer momento podes conduzir para qualquer ponto do mapa, mas a progressão só acontece se seguires as missões que te vão aparecendo. O ritmo a que as missões te aparecem é controlado e ao mesmo tempo nunca terás mais do que três missões assinaladas do mapa. Até podes estar a colaborar com vários acampamentos de sobreviventes, mas não podes simplesmente escolher realizar de seguida todas as missões para um acampamento. É suposto seguires uma certa ordem e é por isso que Days Gone é, acima tudo o resto, um jogo narrativo. Também é um jogo em mundo aberto, mas face à importância da história, acaba por ser algo secundário.
Há missões secundárias, mas são pouquíssimas. Do que me recordo, as missões secundárias estão relacionadas com recordações de Sarah, a mulher de Deacon St. John. São missões sem ação, em que meramente tens que ir a um local assinalado do mapa para desencadeares uma cinemática em que Deacon se recorda de uma memória feliz com a sua mulher. Sarah é uma parte importante para desenvolvimento da história de Days Gone. Rapidamente vais descobrir que Sarah desapareceu na noite do surto (isto pode ser considerado um spoiler, mas está nos trailers oficiais), mas mesmo dois anos após o acontecimento trágico, Deacon ainda não perdeu a esperança da a encontrar ou, pelo menos, de saber o que lhe aconteceu concretamente.
Fora isto, tens outras atividades opcionais como eliminar os ninhos de Freakers (o que reduz drasticamente a sua presença naquela área e desbloqueia as viagens rápidas) e as temíveis hordas. As hordas são o maior desafio de Days Gone e são basicamente enormes grupos de Freakers que, assim que fores detectado, atacam todos em simultâneo. A dificuldade das hordas dependem do seu tamanho. Encontrei hordas em que me bastaram algumas granadas bem colocadas para a eliminar, enquanto outras são bem mais numerosas. Os zombies até podem ser um tema demasiado explorado nos últimos anos, mas nunca viste nada como as hordas de Days Gone. É uma das coisas mais originais do jogo.
Outros perigos que vais encontrar são alcateias que te atacam de surpresa, correndo lado-a-lado da tua mota e derrubando-te. Há também snipers sorrateiros no cimo de árvores e sítios altos que te podem surpreender com um tiro certeiro em ti ou na tua mota. Ao percorrer o mundo vais encontrar frequentemente pontos de interrogação, que são atividades opcionais que vão aparecendo aleatoriamente. Nestas atividades podes salvar sobreviventes, seja dos Freakers ou de humanos, e ao encaminhá-los para um acampamento à tua escolha para receberes créditos e/ou um aumento de confiança, o que eventualmente te vai permitir subir de nível e ter acesso a armas melhores e modificações para a tua mota.
A longa história de Days Gone
Days Gone é um jogo longo, bastante longo. A Bend Studio não estava a brincar quando disse que a história demoraria, em estimativa, cerca de 30 horas. Como é que a história pode ser tão grande e, mais importante, será que se mantém interessante até ao fim? Esse é o principal problema de Days Gone. Praticamente todas as missões são obrigatórias, mas são várias aquelas que se comportam como uma missão secundária, ou por outras palavras, em que não há um desenvolvimento da história. Estas missões são também de uma natureza repetitiva e muitas vezes resumem-se a eliminar grupos de sobreviventes hostis ou a encontrar alguém que desapareceu numa missão de patrulha. Eventualmente tornam-se em missões cansativas e num jogo tão longo como este, isso acontece muito antes de chegares ao fim.
"O Bend Studio esqueceu-se de acrescentar um pouco mais de diversão ao mundo de Days Gone"
O problema em si não é a longevidade da história, mas sim o seu aumento artificial através de missões repetitivas, o que acaba por ter outro efeito prejudicial. O gameplay loop de Days Gone - uma série de ações que o jogador realizará ao longo do jogo, não tem diversão suficiente para tantas horas. Na sua ambição para criar um jogo conduzido pela narrativa, o Bend Studio esqueceu-se de acrescentar um pouco mais de diversão ao mundo de Days Gone. O conceito tinha potencial para mais. Há sem dúvida personagens interessantes ao longo da história e Deacon St. John é um forte protagonista, mas a jogabilidade e as atividades do mundo precisavam de ser expandidas para corresponder à envergadura da narrativa. É portanto, um jogo desequilibrado. Temos vontade de saber o desfecho da história, mas a vontade de jogar perde-se antes do final.
O jogo mais bonito da PS4
É uma forte afirmação para se fazer quando, mesmo dentro dos estúdios da Sony, existem diversos jogos que são maravilhas visuais. Mas Days Gone eleva a fasquia para a beleza encontrada num mundo aberto. O jogo é tão bonito que tive que ir pesquisar imagens do Oregon, o estado no qual o mapa é baseado. O Bend Studio conseguiu capturar toda a beleza natural e reproduzi-la de uma forma surpreendentemente fiel no mundo de Days Gone. Vaguear de mota pelas estrada, apreciando simplesmente aquele paraíso natural que nos rodeia, é um dos maiores prazeres de Days Gone. Há florestas verdejantes, zonas arenosas, lagos tranquilos, vistas de ficar pasmado e um sistema meteorológico dinâmico que puxa ainda mais pela qualidade gráfica de Days Gone.
Há, contudo, diversos problemas técnicos em Days Gone. Um deles vais encontrar logo no início. Para começares a jogar, há dois loadings que em conjunto demoram quase três minutos. Depois, há quebras de fluidez e abrandamentos abundantes, principalmente na PS4 normal (na PS4 Pro estes problemas permanecem, mas em menor gravidade). Na minha experiência, isto acontece sobretudo em acampamentos e quando a mota está a andar muito rápido (quando começas a desbloquear motores mais poderosos, o desempenho parece agravar-se). A imersão que o mundo do jogo te dá também é quebrada várias vezes devido a pequenos loadings para carregar cinemáticas pré-gravadas. Por exemplo, podes até estar a fugir de inimigos que, se chegares ao checkpoint assinalado, vais ativar uma cinemática em que esses inimigos desaparecem por milagre.
Days Gone - O veredicto
Apesar das constantes comparações com The Last of Us, em cima das críticas de que este seria apenas mais um jogo de zombies, Days Gone conseguiu construir uma identidade própria. Ultimamente, peca por não expandir suficientemente o conceito para sustentar um jogo tão grande. Há demasiadas missões parecidas e, portanto, sem interesse disfarçadas de missões da história. O aspecto da sobrevivência também poderia ser intensificado e expandido. Por exemplo, é estranho que possas modificar as armas corpo-a-corpo, mas que não exista tal opção para as armas de fogo. Days Gone é um jogo grande na história e na beleza do seu mundo, mas bem menor no resto dos seus componentes.
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